domingo, 30 de março de 2014

Fender 5E3 - The Tweed Deluxe

Oscar Jr.

          Lá pelos idos de 1940 Leo Fender trabalhava na concepção de algo que pudesse amplificar o som da guitarra elétrica e continuasse o mais limpo possível mesmo em volumes mais altos. Pensando como engenheiro da época (imagine-se em 1948), seria lógico pegar o circuito amplificador de um rádio valvulado e transformá-lo/adaptá-lo em algo que pudesse pegar o sinal do captador magnético da guitarra e amplificá-lo através de um alto-falante. Nascia aí o primeiro dos amps da famosa "Era Tweed" dos amps Fender, o Tweed Deluxe.
Fender 5E3 Tweed Deluxe
A primeira leva era conhecida como "Wide Panel TV" por ter visual semelhante a uma TV da época (alguém já leu a expressão TV yellow? :-) ) e tinha os circuitos 5A3, 5B3, 5C3 e 5D3 entre os amps de 1948 e 1952.  A concepção do amp (assim como tudo o que Leo Fender fazia) era extremamente simples. Sem entrar em detalhes técnicos, ele apresentava 2 entradas sendo que cada uma tinha um volume independente e ambas dividiam um mesmo controle de "tone". Uma das entradas era para um microfone de voz e outra para a guitarra e o objetivo era que o guitarrista/cantor pudesse equiparar o volume da bateria para uma apresentação ao vivo amplificando a guitarra limpa. O que Leo Fender não imaginava era que o Tweed ficaria famoso justamente pelo som que produz quando o volume aumenta além do que as válvulas 6V6 suportavam produzindo o que é talvez um dos timbres distorcidos mais famosos de guitarra. Larry Carlton, Billy Gibbons, Don Felder e Keith Richards estão entre alguns dos nomes que usaram e ainda usam o 5E3 nas suas gravações. Os primeiros albuns do ZZ Top registram timbres magníficos do 5E3 Deluxe junto com Pearly Gates.

Meu interesse no 57 Deluxe começou mais ou menos na mesma época dos PAFs quando descobri que   o clássico do ZZ Top - Brow Sugar foi gravado com um 5E3, assim como La Grange e outros tantos clássicos do grupo liderado pelo reverendo Billy Gibbons.


Esse timbre, essa resposta dinâmica, a impressão que tenho quando ouço essa música (principalmente a introdução) é que Gibbons tem o timbre sob seus dedos o tempo todo. Altera a palhetada e a pegada a todo momento para conseguir texturas e derives de diversas cores de acordo com o que deseja. Os PAFs e a Pearly Gates são parte da fórmula, mas o amp também é fundamental. A explicação técnica no caso do 5E3 é que se trata de um amplificador com algumas características da arquitetura "Classe A", conhecidos pela extrema resposta dinâmica tanto da palhetada como do volume da guitarra, assim como o VOX Ac-30 por exemplo entre alguns outros. (PS: Na verdade o VOX AC30 não é um "CLASS A" puro, mas sim um híbrido com apontamentos de Class A e Class AB para melhor desempenho. Segundo o John nos comentários, o Deluxe 57 entra também nessa categoria. Eu realmente preciso estudar mais um pouco pra entender 100% o que isso significa )

Controles simples do 5E3 Deluxe
Pois bem, como conseguir esse timbre nos dias de hoje? O circuito do 5E3 é relativamente simples e fácil de ser copiado, mesmo por que o esquemático é amplamente divulgado e conhecido na internet. Algumas marcas fazem clones idênticos e outras usam a arquitetura básica e adicionam alguma mágica pra extrair novas texturas como por exemplo o Bogner Lafayete , mas aqui no BR era quase impossível encontrar algo parecido com isso (parece que a Serrano amps faz um clone do 5E3). Eu mesmo nunca tinha tido a oportunidade de tocar em um até muito pouco tempo atrás, mas quando apareceu foi amor a primeira vista. 


Ano passado o Luciano da Garagem Instrumentos aqui de Ctba me ligou dizendo que havia comprado um lote de "ponta de estoque" da Pride (importadora oficial da Fender no Brasil) e que iriam chegar algumas coisas que eu talvez fosse gostar. Conheço o Luciano há muitos anos. Recentemente ele resolveu abrir sua própria loja e conhecendo o bom gosto dele já sabia que só viria coisa boa por aí. Pois bem, quando fui na loja ele havia acabado de receber o carregamento e dentre as coisas estava simplesmente um Fender Custom Shop 57 Amp. 


O impacto visual é impressionante nesse amp, e eu mesmo não conhecia até vê-lo pessoalmente. Fui pesquisar.... Descobri que a Fender relançou o Deluxe em 2007 com dois modelos Custom Shop. Um deles é o original Tweed, com todos os atributos e especificações do original e um segundo modelo "hot rodded" que é o 57 Amp. 


O conceito da Fender nesse amp foi tentar imaginar o que Leo Fender faria se fosse idealizá-lo como um amp "Boutique", ou seja, com tudo o que se tem de melhor mantendo as características clássicas. Pra isso, convocaram o designer industrial Shawn Greene que junto com o engenheiro de design Nick D'amato e o diretor de marketing Shane Nickolas desenvolveram e chegaram nesse design maravilhoso. O gabinete é em maple sólido com acabamento de "piano lacquer", a grade frontal tem design baseado nos antigos Cadillacs dos anos 60, a alça de alumínio e o painel cromado com knobs personalizados... São alguns detalhes que já fazem valer o visual do Amp como se pode ver nas fotos.  


Nas especificações técnicas, o 57 amp é todo feito manualmente (hand-wired) ponto a ponto, equipado com transformadores Mercury Magnetics especialmente desenvolvidos para o projeto, falante Celestion Alnico Blue, 2 válvulas 6V6 no power, 2 12Ax7 no preamp e uma 5Y3 retificadora garantem ao 57 Amp toda a sonoridade do clássico circuito 5E3 com um toque de modernidade. Tem um pouco mais de ganho e soa mais "na cara" que seu irmão Tweed. Uma verdadeira obra de arte. 

Abaixo um vídeo a apresentação dos dois modelos na NAMM de 2007 com Shane Nickolas:


Quando toquei com ele me apaixonei.... Com certeza o amp mais dinâmico e responsivo que já tive/toquei até hoje. Incrível. Não preciso nem dizer que trouxe o amp pra casa e sim vou graver algo com ele pra vc`s ouvirem e atualizo o post aqui. Gravo com LesPaul, Tele e Strato pra terem uma idéia das diferentes respostas do amp. Fiquem ligados que essa semana ainda sai.




PS: Fiz um negócio excelente com o Luciano pois ele pegou esse amp num lote de equipamentos que a Pride estava liquidando como ponta de estoque (esse em especial estava com preço bem abaixo por ter sido usado no stand da importadora na ExpoMusic) e nem deixei ele expor na loja. Quem quiser conhecer a Garagem pode procurá-los no Facebook . Eles sempre postam novidades e volta e meia tem peças como essa de ponta de estoque com preço bom e ótimas condições. Sempre bom conhecer lojas e lojistas qe entendem do que fazem e são tão malucos por instrumentos quanto nós!






quarta-feira, 26 de março de 2014

Monte sua própria Fender

 Paulo May

:)
É claro que vamos ficar só na vontade... Com os impostos brasileiros nem pensar em comprar uma dessas, mas é divertido demais escolher as partes e montar uma tele ou uma strato como se estivéssemos na loja da Fender Visitor Center. Clique nas fotos para entrar na página original.

http://www.fender.com/en-BR/american-design/instruments/


http://www.fender.com/en-BR/american-design/configurator/


O C. F Apparício sugeriu um link também muito interessante: CLIQUE
Semelhante a esse da Fender. Pena que a versão disponível seja um pouco limitada.

sábado, 15 de março de 2014

George Gruhn

Paulo May


          Manter o blog ativo não tá fácil... Se eu não tivesse que responder tantas perguntas diariamente, com certeza teríamos posts com maior frequência. Não que eu não goste disso - é legal e mostra que o blog é interessante, mas definitivamente consome tempo e energia.
E quando coincide com os períodos em que o Oscar fica sem tempo, aí...
Até tenho algumas ideias e rascunhos separados, mas desde o primeiro post aqui, sigo a regra pessoal de só postar quando sentir que o assunto é legal, instiga a imaginação ou traz alguma novidade relevante, como é o caso desse post sobre o especialista em instrumentos vintage George Gruhn.

George Gruhn na frente de sua loja em Nashville (2011).

Há dois dias resolvi jogar fora quase toda a minha coleção da revista Guitar Player brasileira (nem me perguntem por que) e no meio delas me deparei com várias GPs americanas que eu tenho guardadas desde os anos 80. Essas não tive coragem de jogar fora e ontem peguei uma aleatoriamente pra ler (GP de março de 1985) com uma Les Paul sunburst na capa, como essa:


          PQP! Acho que há mais de 20 anos não a lia e me lembrei de quase tudo da época, principalmente um artigo (Sunburst Gallery) do George Gruhn (ele tinha uma coluna fixa na revista) sobre as Les Pauls Sunburst clássicas, de 58-60. Ao ver as fotos de várias burst maravilhosas, me lembrei nitidamente da sensação que tive na época e compreendi porque não me impressionei. Estávamos em 1985 e o senso estético era absolutamente distinto do atual (hoje não há tanto foco na moda - ou são múltiplos focos, penso eu), com aqueles exageros dos anos 80 refletidos nas guitarras. Todo mundo só falava em Kramer, Ibanez, Jackson, enfim, nas "super guitarras" e, naquele contexto, as bursts clássicas com seus tops figurados pareciam... Sim, exatamente isso, velhas e "bregas"! :)

Eu ainda tinha um segundo motivo pra justificar tal desprezo: na época havia tocado em duas Les Paul "novas" e as tinha achado muito ruins, principalmente pela falta de dinâmica e ataque dos captadores. Eram Les Pauls de 1984 ou 85, mas na minha cabeça era tudo a mesma coisa. Em 1983, pra ser justo, toquei uma Les Paul 1958 original com PAFs e essa me impressionou pelo timbre, fabuloso e cortante como uma tele, porém o braço era estupidamente gordo (1958...) e lento se comparado com os braços modernos da época e até com a minha Tele de 1974. Me lembro nitidamente desse dia e do que pensei: "Puta timbre, mas esse braço gordo é inviável"... :)
Entendido isso, reli todo o texto de George Gruhn e fiquei impressionado com o conhecimento que ele tinha. Deu pra perceber que Gruhn foi referência pra vários livros publicados desde então. Mas o mais interessante de tudo é quando ele mencionou que "o preço de uma sunburst, principalmente com top de curly maple, pode chegar (em 1985) a absurdos 14.000 dólares!" KKK! Mal sabia ele que haveria uma escalada monumental de preços entre 1998 e 2007 e algumas dessas guitarras chegariam perto de meio milhão de dólares!
Hoje o mercado deu uma esfriada, mas as 59 ainda estão na faixa de 200-300 mil. E ele acompanhou tudo desde o tempo que elas custavam 200 dólares :)

George Gruhn começou a colecionar e vender violões e guitarras na década de 60 e nunca mais parou. Adquiriu tanto conhecimento que já é uma lenda viva na história desses instrumentos. Pra quem se vira no inglês, seguem dois links com excelentes entrevistas de Gruhn: CLIQUE-1 e CLIQUE-2

Pra quem sofre com o inglês, coloquei legendas num vídeo onde George Gruhn dá uma "palhinha" sobre as bursts:

Obs: George esqueceu de mencionar que a Gibson mudou o tipo de pigmento vermelho no final de 1959, por isso a maioria das Les Pauls feitas em 1960 ainda mantém boa parte da cor original. As 58 e 59 são quase todas "desbotadas", apresentando tonalidades diversas que hoje em dia têm inclusive "nomes" como "honey burst", "lemon burst", etc. Mas todas (com exceção de raras originais em Tobacco Burst, de 1959) eram pintadas originalmente com um degradê de vermelho cereja para amarelo no centro.

          Alguém pode estar questionando agora onde está a "novidade" que eu mencionei no início do post, pois tudo aqui é passado... :). Pois bem, a novidade - e pode ser só pra mim, tudo bem -  é a perspectiva do conceito "Les Paul" ampliada até os anos 80. Olhando para o passado conseguimos entender melhor o presente.

Observando a sabedoria de Gruhn descobri também que eu era um guitarrista "utilitátio" e mudei para "colecionador" há uns 6 ou 7 anos. O que me fez mudar? Provavelmente no dia em que resolvi entender a física e construção do instrumento que eu tocava. Foi como sair da "Matrix": de repente eu conseguia ver e apreciar coisas que sempre estiveram presentes mas eram invisíveis para mim. Durante mais de 20 anos fui absolutamente utilitário (embora a minha primeira guitarra digna tinha que ser uma Tele Fender e viajei de carro até SP só para comprá-la) - já contei aqui como depredei o valor histórico da minha Telecaster de 1968 sem o mínimo remorso (na época, agora fico aterrorizado :) ).
Hoje acho que sou mais "Colecionador", mas o lado utilitário ainda é forte. Se tivesse que tocar num show ao vivo agora, das quase 40 que tenho, levaria apenas duas guitarras: a PRS SE Custom 22 e a Telecaster de Freijó. Nenhuma das duas tem qualquer pedigree digno de nota, mas são guitarras absolutamente práticas, confiáveis e funcionais - além de soarem muito bem.

George Gruhn diz que há 3 tipos de compradores de guitarra: o "Utilitário", que quer um instrumento prático e funcional, não se preocupa com detalhes ou marcas e não gosta de gastar muito. Há também o "Colecionador", que foca nos detalhes, originalidade e valor histórico e pode gastar muito num instrumento, às vezes impetuosamente. Por último, o execrável "Mercantilista", que adquire apenas com objetivo lucrativo. Os dois primeiros criam um vínculo com seus instrumentos, enquanto o último é basicamente um mercenário :).

George Gruhn (foto dos anos 70).
Ele vende e sempre vendeu instrumentos como meio de vida, mas continua apaixonado e fascinado por eles... Assim como nós :)