terça-feira, 29 de abril de 2014

Guitarras e Carros (e cores...)

 Oscar Isaka Jr.
         Poucas coisas no mundo das guitarras são confusas como os nomes e padrões de cores dos instrumentos. Pra entender de onde vieram as cores que estampam nossos queridos instrumentos é preciso entender qual foi a influência da época e a resposta é simples e direta... CARROS. Os automóveis eram a peça de consumo mais influente nos Estados Unidos na década de 50, logo é fácil imaginar porque a utilização de suas cores nos instrumentos.
As únicas cores que a Fender criou na época eram o Blonde e o Sunburst, todo o resto veio diretamente do catálogo de Custom Colors da indústria automobilística. Difícil de imaginar um carro Daphne Blue (ou azul calcinha) que não seja uma Kombi!! rsrsrs!!  É uma verdadeira salada: Surf Green, Sea Foam Green (geralmente confundidos entre si), Daphne Blue, Ice Blue Metalic, Dakota Red, Fiesta Red... E a lista continua. Tons pra armário feminino nenhum botar defeito....

Catálogo de cores

         Nos anos 50 (até 1956 pra ser mais exato), a GM só utilizava a Laca Nitrocelulose (ou "a" nitro, para os íntimos) para acabamento e pintura de seus veículos. Apesar de todas as outras fábricas usarem acabamentos com base esmaltada (Enamel), a GM gostava da "Nitro" pois era de rápida (para a época) secagem, fácil polimento e conserto além do lindo e fácil brilho. Entrando um pouco no aspecto técnico, a tinta é composta basicamente de 3 componentes: pigmento (que dá a cor), resina e solvente. O pigmento e a resina são dispersos no solvente, que controla a consistência da tinta e evapora com a aplicação, deixando somente os outros dois componentes na superfície pintada. Sem ele, o composto de resina/pigmento seria muito espesso e não espalharia uniformemente pela superfície aplicada. A resina forma uma "película" que permite que o pigmento tenha adesão na superfície e crie uma camada protetora para a mesma, além do brilho inerente. Nitrocelulose usa uma resina à base de celuloide - e a acetona como solvente é uma das características que define o "Nitro" como Laca (Lacquer).

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Curiosidade:
Celuloide é o nome de uma classe de compostos criados a partir da nitrocelulose e de cânfora, a que se adicionam corantes e outros agentes. Os celuloides são considerados os primeiros materiais termoplásticos. Em 1862, o inglês Alexander Parkes registrou a Parkesina, primeiro celuloide e primeiro plástico fabricado. O termo celuloide só passou a ser utilizado em 1870. Moldado com facilidade, o celuloide foi produzido originalmente como substituição para o marfim.
Um de seus usos mais conhecidos é na indústria fotográfica e cinematográfica, na confecção das chamadas películas ou filmes. Historicamente, o primeiro celuloide utilizado em filmes foi o nitrato de celulose. No entanto, como este sofria combustão espontânea, a partir dos anos 1950 foi substituído pelo triacetato de celulose, menos inflamável, constituindo assim o chamado "filme de segurança" ("safety film" em inglês).
Os celuloides também são extensamente utilizados na manufatura de bolas de tênis de mesa, por sua rigidez e elasticidade.
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         O uso da Nitro(celulose), apesar da secagem rápida e ótimo brilho que propiciava, tinha um problema: o uso da resina à base de celuloide, material esse usado na fabricação de escudos (pickguards) do tipo tortoise de marcas como Gibson, Epiphone, DÁngelico entre outros, fazia com que o acabamento esfarelasse/quebrasse com o tempo. Era possível ver esse efeito no craquelado (checking). Além disso, havia também um desbotamento acentuado no pigmento/cor.
Para minimizar esses problemas, a Du Pont (fabricante das tintas) mudou a composição da resina e passou a utilizar um composto acrílico, que tinha mais resistência UV, elasticidade e minimizava um pouco os efeitos da nitro. Porém isso também tinha um lado negativo: não secava tão bem quanto a nitro e não tinha o mesmo brilho no polimento.



         Voltando aos instrumentos, o que a Fender fazia era usar o que quer que estivesse disponível com a Du Pont ("Duco" era a nitro da Du Pont) na época, fosse acrílico ou nitrocelulose. Como disse George Fullerton:"Leo gostava de coisas práticas e funcionais... Quando pensamos em técnicas e materiais de acabamento, nada mais lógico do que copiar a indústria automobilística e as tintas que estavam disponíveis para ela, fáceis de encontrar e baratas".

A Fender quase sempre utilizava verniz de acabamento transparente, que era à base de nitrocelulose. Todo esse processo de evolução das tintas automotivas gerou uma verdadeira salada nas cores dos intrumentos porque o verniz à base de nitro fica amarelado com tempo e interfere/modifica a visualização do pigmento real. Resultado? Algumas cores recebiam esse verniz e outras não, visando manter a aparência real da cor. Por isso é realmente difícil estabelecer um padrão de pintura para a época. Era usado o que funcionava e pronto e os mesmos problemas encontrados nos carros, como desbotamento das cores e o craquelado, que alguns de nós hoje gostamos, na época geravam um baita trabalho e incomodação para a Fender.


         Em meados de 1963 um novo produto começou a ser utilizado como base/selador para a pintura, o famoso "FullerPlast". Produzido por Fuller O'Brien, era uma espécie de composto plástico sintético para cobrir os poros da madeira de maneira uniforme com a finalidade de deixar a pintura mais uniforme também e embora a cor e verniz ainda fossem nitrocelulose, muitos concordam que o emprego do Fullerplast foi o fim da "era Nitro" da Fender e é motivo de muita discussão sobre aqueles que defendem que o Nitro é um dos responsáveis por Fenders antigas soarem tão bem, etc.

Há argumentos para ambos os lados, mas não vou entrar na discussão! :-) O emprego do FullerPlast melhorou muito a qualidade dos acabamentos e minimizou os problemas gerados pelo uso da nitro somente e estendeu-se até meados de 1968, quando Bob Gowan, diretor do departamento de pintura e acabamento da Fender/CBS, baniu de vez  a nitro e começou a empregar o Aliphatic Urethane conhecido hoje como "Poly/Poliuretano/PU". A decisão foi puramente baseada em mão de obra e tempo de produção, pois o PU requer menos camadas, tem secagem mais rápida, maior resistência e brilho mais fácil. Todas, qualidades desejáveis e veneráveis quando o assunto é produtividade.

Digno de nota, quando começou a utilizar o PU a partir de 1968, a Fender fez até propaganda da resistência e da "grossa camada/thick skin" que colocava em seus instrumentos. Hoje sabemos que isso "mata" a ressonância da madeira. O PU fornece um acabamento bonito, muito brilhante, duro e resistente, mas pode atrapalhar em termos de sonoridade.


O jargão "Poly/PU" é adotado até os dias de hoje para tintas e vernizes a base de Poliéster sintético, empregado em 90% de todos os instrumentos fabricados atualmente (inclusive a Fender), por causa das razões que descrevi acima. Instrumentos viajam de navio de e para todas as partes do mundo, sujeitos à variações térmicas (às vezes mais de 40 graus) e de humidade e chegam em seus destinos brilhantes e novinhos em folha. Urethane, Polyurethane, Poly, PU etc. é mais ou menos tudo farinha do mesmo saco, ou seja, compostos de verniz sintético de alta durabilidade.

A Nitrocelulose ainda é utilizada devido ao seu alto apelo junto ao público "vintage" (ao qual me incluo) e não só pelo visual, pois há vertentes e argumentos que alegam que, por ser mais fino e maleável que o PU, interfere menos na ressonância do corpo do instrumento.
Não quero entrar nessa discussão sem fim, mas sim apresentar um pouco da história e dos fatos.

Alguém aí se importa em ter um Cadilac Shell Pink? Ou quem sabe um Mustang Fiesta Red? :-)

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PS: excelente fonte de referência nos dias atuais, pra quem quer se aventurar (CLIQUE)

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Stratocaster "KNE" de Ash

(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)


Paulo May


          Apresento-lhes a minha nova strato de Ash. Linda e com timbre mortal :). Antes que algum incauto pergunte "KNE? Que marca é essa?", esclareço que "KNE" é o apelido dela, já que o corpo foi adquirido nessa luthieria/empresa (mais adiante).
Já falei tantas vezes que ia parar de montar guitarras, mas havia uma lacuna óbvia: ainda não tinha uma stratocaster de hard ash. Tenho duas maravilhosas de alder (já postadas aqui: a Black e a 97) e até uma de swamp ash (SX: clique), mas, devido à imprevisibilidade do ash, principalmente o hard ou northern, até agora tinha receio de arriscar.
A stratocaster com corpo de ash e braço de uma peça de maple é de fato o padrão original criado por Leo Fender em 1954 (o Alder só passou a ser utilizado e dominante depois de 1956), por isso eu precisava ter uma :). Pra saber mais sobre essas diferenças entre alder e ash, clique aqui para o vídeo da Fender onde o diretor de marketing e luthier, Mike Eldred, explica tudo.

Nesse vídeo, meu amigo (guitarrista e luthier) Alex Arroyo dá uma canja rápida pra vocês terem uma ideia do timbre (foi meio na correria então só temos os timbres do captador do braço e ponte):



          O risco era grande, por isso optei pelo melhor (e com ótimos preços) fornecedor possível: a KNE guitars, da Califórnia. Essa dica me foi passada pelo Oscar em 2013 e já havia comprado um fantástico corpo de alder (duas peças, coladas fora do centro) deles. O Mitch, da KNE,  é um cara muito legal, tem vários clientes no Brasil e sabe dos nossos impostos abusivos. Dessa vez não precisei passar pelo stress da receita federal porque o Oscar estava nos EUA e trouxe o corpo pra mim.
Pedi ao Mitch (ele é sempre solícito, mas não insista em pedir o headstock finalizado :) ) um hard ash mais leve (sim, hard ash pode pesar igual a uma pedra) e colagem central das duas peças, já que faria um acabamento sunburst de duas cores. A KNE seleciona e compra suas madeiras de ótimos fornecedores, alguns também utilizados pela própria Fender, portanto, nem preciso dizer que as madeiras são top. O padrão é 100% Fender, então não há erro: um braço também no padrão Fender vai encaixar como uma luva.

(obs 01/2016: Convém acrescentar aqui que, embora seus produtos sejam de extrema qualidade, a KNE não é fornecedora autorizada/licenciada pela Fender. Mesma qualidade - senão melhor - , mesmo padrão, mas NÂO é Fender, ok? Depois desse post já vi gente vendendo corpos KNE no mercado livre dizendo que é licenciado...)


A junção corpo/braço é FUNDAMENTAL no timbre das guitarras: quanto mais contato, maior a transmissão sonora. O braço comprei via e-bay de um luthier canadense, também 100% padrão Fender, peça única (essencial: braços de maple com escala colada de maple soam diferentes) e quase "flame". Muito bonito e com acabamento (claro, também de nitrocelulose) na cor "vintage", que é um amarelo escuro, meio âmbar.

          A minha ideia era montar uma strato nas especificações exatas da original de 1954, mas dois detalhes fui obrigado a deixar passar: pedi escala com raio de 9.5 polegadas (e não 7.25 como as dos anos 50 e 60) e coloquei saddles/carrinhos modernos, de aço. Também tomei a liberdade de utilizar um bloco de aço Manara nas especificações de uma ponte Wilkinson, ou seja, há um esperto deslocamento do ponto de entrada da primeira e quarta cordas pra manter todas as 6 com praticamente a mesma extensão/tensão pré saddles. Ideia genial do Trevor Wilkinson que o Leo Fender esqueceu de implementar. Veja:

Na foto de cima percebe-se também o ultrafino acabamento de nitrocelulose (dá pra sentir os veios do ash com os dedos) e o toque de flame do braço de maple.

Tarraxas Gotoh Vintage, captadores: Fender Custom Shop 54 na ponte, Rosar Fullerton no meio e Rosar Fullerton (especial de formvar) no braço (esse é idêntico ao 54). Se fosse utilizar essa guitarra ao vivo em shows, provavelmente colocaria um Rosar Rock Surf 43 na ponte (ou um Blues 43), só pra garantir o corte de médios e evitar que amps ruins avacalhem com os agudos do CS54 (estão no limite).

A grande diferença entre essa e as minhas outras guitarras é que eu decidi não montá-la sozinho. Só montei guitarras até agora pra aprender e SABER, mas nunca tive muito saco pra isso. É cansativo e muitas vezes entediante, principalmente a parte de acabamento/pintura. Além disso, queria ter plena certeza que ela ficaria com máxima tocabilidade... Então deixei tudo nas hábeis mãos do meu amigo, professor e luthier Inaldo. Foi ótimo também porque vários trastes precisavam de retificação (provavelmente devido à viagem/temperaturas do Canadá/Brasil e o terrível tempo de espera pela liberação da receita no Brasil).

Todos os plásticos (de excelente qualidade e acabamento), canoa do jack e back plate foram comprados na China via e-bay/paypal.


          O logotipo Fender com tinta metálica (idêntico ao original) comprei na CroxGuitars (Inglaterra): o Crox também é gente finíssima, conhece os brasileiros e envia os logos dentro de uma carta, portanto...
Pro acabamento ficar perfeito, utilizei "Tru-Oil" (Birchwood-Casey), que foi uma dica do meu amigo Vítor Tavares (que só monta e vende guitarra no padrão Fender - filezinho). O tru-oil é fantástico - utilizei o dedo pra espalhar e bastam 4 ou 5 demãos, lixa 600 de leve, mais uma ou duas demãos, uma passada da 600, depois 1200, polir e correr pro abraço! :). Tinha um cara vendendo 200 ml de tru-oil no ML dia desses, mas o meu comprei no e-bay. (Procure por "guitar + tru-oil" ou "tru-oil finish" no youtube antes de perguntar, por favor)

          E o som dela? :) Tive muita, muita sorte. Aposto como vocês iriam babar e com certeza vou preparar algo depois, mas há um detalhe no meu gosto pessoal que é meio estranho: detesto ressonâncias graves ou "timbre gordo" e o ash é desgraçado nessas frequências - mesmo o "bom" ash pode sobrar nos graves. Já toquei em stratos e teles de ash americano que poderiam virar lenha. Quando o ash soa mal - e não dá pra saber antes de montar a guitarra -  ele soa REALMENTE mal.  Ao contrário do alder que via de regra soa quase sempre bem, o ash é 8 ou 80, não tem jeito...

Como não podia deixar de ser, percebi, com cordas 0.10, um pentelho de sobra de graves na 5ª e 6ª cordas - detalhe que muitos de vocês provavelmente adorariam, mas eu tenho alergia. Mesmo a minha excepcional Tele 68 (de hard ash) tem esse problema e eu o solucionei utilizando cordas 0.09 ou, as melhores que existem: um jogo GHS híbrido chamado "GBLXL": na ordem da primeira para a sexta: 10,13,15, 26, 32, 38. Começa com padrão 0.10 e acaba com padrão 0.08! É perfeito para telecaster e resolveu totalmente nessa stratocaster. :). Não há perda de graves, mas sim ganho de definição. Eu descobri esse encordoamento na década de 80, pois a minha Telecaster 74 soava do mesmo jeito que TODAS as minhas guitarras de ash (isso não ocorre na SX de swamp ash, que tem  encordoamento 0.10).

Eu tinha alguns logos que eu mesmo fiz da Fender CS e coloquei pra ver como ficavam. Legal! :)

Pra quem não conhece o blog e tá chegando agora: eu só coloco os logotipos porque é tudo tão "Fender" que a ausência deles fica estranha... Essas guitarras são, se muito, réplicas e não cópias para serem vendidas. Se um dia alguém tentar vender essas guitarras como Fender, o blog estará aqui para desmenti-lo :)

          O trabalho que o Inaldo fez nessa (e em várias outras já postadas) foi, como sempre, excepcional. Ele já conhece as minhas "bardas" de regulagem (ação baixa, ponte colada no corpo), fez um nut (perfeito) de osso e um acabamento soberbo de nitrocelulose. O alinhamento da ponte/corpo/braço eu nunca conseguiria fazer de forma tão exata/inteligente (depois ele mesmo vai explicar). São detalhes que somente quem nasceu com o dom pode fazer.
Optei por deixar os veios do ash bem aparentes - a Fender geralmente passa uma leve camada de verniz semi transparente ou âmbar/laranja por cima pra apagá-los um pouco.

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Próximo post: o "making off" dessa guitarra e de quebra, apresentarei pra vocês (finalmente) o Inaldo :)... Uma palhinha:

INALDO


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Lepo Lepo: caindo na real

Paulo May


          Há uns dois anos não me desligava completamente do meu universo pessoal, protegido pelo acesso selecionado à internet e TV à cabo. Incrível como, ao mesmo tempo que sabemos quase tudo que acontece de importante no mundo, alienamo-nos, na mesma proporção, da realidade crua.

Fui passar a páscoa com minha esposa e nossas duas filhas na casa da minha família em Laguna (SC), aqui perto de Florianópolis. Já sabendo que não teríamos internet e nem TV à cabo, fui de coração aberto e ingenuamente despreparado. Tinha o meu iphone, mas nem pensar em acesso discado, então levei apenas o livro "ACDC - A biografia" de Mike Wall para uma eventual leitura.

A casa tem sido pouco frequentada nos últimos anos e meus irmãos optaram por deixar apenas o básico, incluindo uma TV antiga com um receptor que capta uns 15 canais, todos da TV "aberta" - aquela que, imagino, a maior parte da população brasileira tem acesso.

Choveu e acabei zapeando pelos canais disponíveis. Em 48 horas, fiz um mergulho assustador num Brasil que de fato eu não conhecia, ou melhor, não percebia. Ou melhor ainda, mudou tudo pra pior e eu nem me toquei... Lepo Lepo do Psirico, sertanejo universitário, sertanejo funk, funk carioca, uma porrada de MC's, mulheres masculinizadas, bispos, pastores, televendas... PQP!! Que porra é essa?
Nunca vi tanta picaretagem na vida! Só dava pastor, vendedor esperto (que dá na mesma), mulher rã e cantor sertanejo - todos com o mesmo cabelo e "barba de 5 dias". Sem falar nos MC's tatuados até a orelha cantando - pecado maior - fora do ritmo na maior cara dura. Haja!


Nas primeiras quatro ou cinco horas cismei que provavelmente eu estava fora de sintonia, já que sempre acreditei que a cultura popular tivesse um valor intrínseco, independente do ângulo de análise. Mas não, mesmo respirando fundo e expurgando com sincera vontade os meus preconceitos e gostos, tudo era uma grande e patética merda.


Sou roqueiro por vocação. Mea culpa. Também gosto de soul, blues, funk (americano, please), até disco music e sempre consegui enxergar o valor de outros tipos de música. Isso é verdade de fato porque me peguei em dois atos falhos: Rolando Boldrin cantando uma música sertaneja de verdade e um grupo de samba (também de verdade) foram raros momentos de alívio nesse inferno. Quem diria... Os dois únicos links com o meu universo original.
Já estava esquecendo: também gosto de mulher, mas normal, com hormônios próprios e de preferência com peitos de verdade :)

Tudo bem, se a massa brasileira tá nisso, deve haver algo de bom, honesto e verdadeiro que justifique e talvez eu simplesmente não tenha capacidade, ou idade, ou bondade, o raio que for, de apreciar. Mas essa frase alguém já deve ter dito: "Se isso é o paraíso, por favor, me leve para o inferno" :)

Não quero e nem vou lutar contra. Deixo a deus dará e esse post é o máximo de quixotismo que sou capaz. Consegui algum alívio nesses dias em Laguna lendo o livro sobre a história do AC/DC. O mesmo AC/DC que descobri numa loja de discos em 1977 e me aliviou da invasão "disco" da época (nem de longe o horror dos lepo lepo de agora).

Das poucas convicções que restaram depois dessa avalanche medonha de mediocridade, uma devo mencionar: a energia honesta, orgânica, humana e pura do rock dos irmãos Young (e de tantas outras bandas, pois gosto muito mas não sou fanático pelos australianos) não tem paralelo em nada do que se produz hoje nos estilos populares. O rock atual - se é que ele ainda existe - tá agonizando e me preocupo se os links vitais com suas origens não estão perdidos pra sempre. Vamos ter que aguardar e torcer para que uma nova geração, se deus ajudar, mais humana, inteligente e inquisidora e menos palhaça, ignorante e intoxicada pela lascívia descubra alguns desses valores que estão, num passo lento porém inexorável, sendo esquecidos.

Cheguei em casa e assisti de uma vez só todo o show do AC/DC em Paris em 1979 (com o Bon Scott. é claro) e já consigo respirar melhor. Salve-se quem puder... :)




PS: pra não ficar tudo muito sério: o Rafael Aleixo me lembrou desse ótimo comercial da Kiss FM:



E achei isso também (não fiz a montagem e não abordaria a questão assim, mas tá engraçado pra c......! :) :

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Estradas & Roubadas - Dicas Pra Encarar Shows Ao Vivo

Paulo May


          A ideia desse post foi de um amigo nosso do antigo fórum da Guitar Player, grupo que atualmente se reune no Facebook com o codinome "Boteco dos Guitralhas", o Fabrício Barbosa.

Durante uma discussão sobre o novo sistema "Min-ETune" da Gibson, de afinação automática, alguns acharam que o aparelho é muito caro e talvez desnecessário, mas outros, principalmente os que labutam em shows semanais ao vivo, acharam que esse sistema seria muito útil.
Eu toquei ao vivo durante 13 anos e posso garantir-lhes que guitarra desafinada no meio de um show é um fator de alta periculosidade e muito estressante.



O Min-ETune é uma versão aprimorada do antigo sistema da Gibson. Com o atual, não há necessidade de furar nada (fácil instalação) e o peso é igual ou até menor que 6 tarraxas convencionais, com mínima, senão nenhuma, interferência no timbre.


Além de afinar automaticamente a guitarra, também há presets de afinações alternativas, como as clássicas "G Aberto" (Keith Richards) e "E Aberto" (ótima pra slide). Pra quem toca covers, é uma mão na roda dupla: além da afinação convencional perfeita, podemos alternar as afinações sem ter que trocar de guitarra.
O sistema não é da Gibson e sim da empresa Tronical, que o produz também para guitarras com seis tarraxas em linha, como as Fender  - clique aqui para visitar o site

 Bem, enquanto o preço não abaixa um pouco (cerca de 300 dólares), temos que nos virar com afinadores convencionais. Os novos polifônicos como o Polytune da TC são ideais.


          Nenhuma banda (com exceção é claro das formadas por músicos já famosos) começa gloriosa e auto suficiente. 99% tem que encarar as vicissitudes da estrada e palcos da vida. Em última análise, sobrevivem apenas as que, além do talento, conseguem adaptar-se rapidamente às merdas que vão surgindo. Um "mapa de palco" versátil e adaptável é essencial. pois o objetivo primordial de toda banda deveria ser "soar bem".
De nada adianta ter um puta repertório, próprio ou de covers, estar bem ensaiado, ótimos instrumentos e na hora de mostrar tudo isso, o público ouvir um som horroroso, desequilibrado e até desafinado. Todo mundo começa com um carro velho ou uma Van e, se tudo der certo e deus ajudar (mas nunca deixe tudo por conta dele), pode terminar com um avião próprio :)

 


Algumas dicas para guitarristas (baseadas nas minhas experiências pessoais) para evitar as "roubadas":

1) Tenha sempre um reserva/backup de todo o seu setup: de cabos a guitarras, de pedais a amps. Nem todos podem ter 2 amps e mesmo que tenham, viajar com amps não é fácil. Eu sempre levava comigo um simulador para emergências extremas: amp pifado sem backup ou até mesmo quando o contratante simplesmente não alugava um amp de guitarra! Comecei com o analógico SansAmp e depois o POD. Se TUDO desse errado, eu plugava a guitarra no simulador e ele ia direto pra mesa de som. Recomendo, se possível, simuladores que funcionem também com pilhas (sempre tenha muitas, sobrando)

2) Afinadores: no mínimo 3. Um no palco, de preferência na forma de pedal com mute e true bypass. Nunca pare totalmente o show para afinar um instrumento - no mínimo, combine com o baterista e o baixista pra eles puxarem um groove interessante enquanto afinas. A peteca NUNCA pode cair.

3) Cabos e Cordas - Cabos: no mínimo 6, de diferentes comprimentos. Sempre chequei a continuidade dos cabos antes dos shows, com multímetro. Cabos velhos só têm um destino: lixo.
Cordas: no mínimo 2 jogos de reserva. Evite trocar as cordas no dia do show porque elas precisam de um certo tempo pra estabilizarem bem a tensão.

4) Na passagem de som, nunca perca muito tempo tentando resolver problemas maiores. Tenha sempre um plano "B". Pedaleira com problemas? Amp ruim? Puxe o simulador com os presets que preparaste em casa. Ninguém vai notar que aquele teu solo está sem o delay sincronizado... As pessoas ouvem uma banda e não um solo.

5) Aprenda a identificar o "supérfluo". O palco é pequeno demais? O baterista pode tocar só com um prato de ataque, amps grandes podem ser substituídos por menores, o baixista pode tocar direto em linha, etc. Egos não são importantes e o "som" é tudo.

6) Repertório: o som do PA não tá muito definido? Priorize as músicas mais simples e diretas. Algumas músicas só são legais se o som estiver legal. Esqueça solos e partes complexas. Banda realmente foda é aquela que modifica os arranjos em tempo real, conforme o momento e as condições. Músicas próprias e desconhecidas não são ideais para bares, principalmente quando o som não está perfeito. Tenha sempre na manga um belo naipe de covers ultra conhecidos, porque se o PA estiver uma merda, a memória musical do público pode compensar o que falta.

7) Guitarra: ela é a sua arma, decisiva e fundamental. Uma guitarra "de estrada" tem que ser 100% confiável o tempo inteiro. Durante muitos anos tive apenas duas guitarras, uma Telecaster Custom de 1974 (backup) e uma Telecaster de 1968. Quando adquiri a 68, em 1989, levei-a para a estrada e em menos de 3 meses o captador da ponte morreu. Sem dó nem piedade, coloquei um Seymour Duncan Hot Rail (humbucker) no lugar do falecido. Perdeu totalmente o timbre vintage, mas ficou silenciosa e com agressividade sobrando, versátil e muito mais confiável (hoje ela está com o timbre mágico vintage novamente). Se tivesse que tocar ao vivo novamente, jamais levaria a Tele 68, 74 ou a Gibson 81 ou a Gibson CS 2013. Só se fosse num teatro, com excelente sonorização.
Hoje, levaria essas duas guitarras:

Clique para saber mais
**) - PRS SE Custom 22: Tarraxas Planet Waves Auto Trim Lock (as mais rápidas para troca de cordas) e timbres que vão do metal ao jazz. Braço magnífico, perfeito.


Clique para saber mais
**) - Telecaster Custom de freijó. Só falta trocar as tarraxas Grover por Planet Waves e ela tá pronta pra qualquer roubada :)

Todos os captadores são do Sérgio Rosar (ele não faz caps de braço de tele, mas rebobinou esse pra mim). Strato? Complicado... 3 single coils, ruído, exigentes com amps... Uma strato HSS seria até viável e tenho umas duas assim, mas...  :)
Adoro o som de captador single coil (P-90 incluído), mas os singles são ruidosos por natureza e acho que utilizá-los em shows comuns, com equipamentos de terceiros, é um risco desnecessário e detesto arriscar. Levar uma guitarra com P90 para um show sem garantias é praticamente uma roleta russa - haja coração! :)

8) Essa aqui eu acabei de roubar do Ari Herstand no ótimo texto "10 coisas que vocês jamais devem dizer no palco". A mais importante:
"Estamos tendo problemas técnicos"
Mesmo se a sua guitarra tenha acabado de pegar fogo. Bem, na verdade, seria hilário se você dissesse isso numa hora dessas. Mas quando as bandas embaraçosamente admitem isso ao microfone, é bastante desconfortável a broxa geral. Problemas técnicos são sua culpa. Mesmo quando não o são. É seu palco. E é seu show. Você deveria conhecer seu equipamento de olhos fechados. Se algo está falhando ou apitando ou dando microfonia, você deveria saber identificar de pronto o que é e poder saná-lo em 13 segundos ou saber como deduzir rapidamente do que se trata.
É sua tarefa, como performer, comandar a atenção de todos na casa do começo ao fim.

9) Lembre-se: vocês estão tocando para uma plateia que quer diversão e não para críticos musicais ou diretores de gravadoras. Primeiro agrade a plateia, depois, se houver espaço, o seu ego.

10) O mais importante: quando os shows tornam-se apenas compromissos e o prazer de tocar guitarra acaba, é hora de de parar!

O Billy Gibbons tá cheio de dinheiro e já poderia ter parado há muito tempo, mas sua paixão pela música e guitarras ainda é de dar inveja :)